Esta matéria publicada no Jornal O Tempo só vem corroborar o que denunciamos neste blog há muito tempo: ameaças, crime ambiental, invasores com moradia própria em outro bairro, venda de lotes etc...
GOLPE
Sem-teto negociam lotes em acampamento por até R$ 12 mil (Jornal O Tempo-BH)
Homem conhecido como o "corretor" do lugar fez diferentes ofertas a O TEMPO
Publicado no Jornal OTEMPO em 13/03/2011
MAGALI SIMONE - Especial para O TEMPO
FOTO: CHARLES SILVA DUARTE
Bairro Trevo. Ruas do assentamento Dandara estão esburacadas e acumulam lixo;
Construtora Modelo luta na Justiça para reaver área
Esgoto em meio a buracos no chão batido de terra, água fétida minando e muito lixo. Por todo lado há canos expostos e "gatos de luz". A aparência do assentamento Dandara, no bairro Trevo, região da Pampulha, na capital, é de uma favela horizontal, sem morros ou becos.
Há quase dois anos, o lugar passou a abrigar uma comunidade sem-teto. No entanto, nos últimos meses, ganhou um novo perfil ao se tornar um livre balcão de negócios para a especulação imobiliária. Andando pelas ruas irregulares, é fácil comprar, em dinheiro vivo, terrenos de quase 130 metros quadrados por R$ 7.000. Os valores podem chegar a até R$ 12 mil.
Fruto da ocupação de um terreno de 315 mil metros quadrados - pertencente à construtora Modelo -, a área foi tomada pelas primeiras famílias no dia 9 de abril de 2009. Hoje já são 887. As denúncias de especulação irregular de imóveis no Dandara foram facilmente confirmadas. Apresentando-se como uma empregada doméstica, uma funcionária de O TEMPO mostrou-se interessada em comprar um lote no terreno.
Quando ainda procurava o endereço do assentamento, a funcionária encontrou uma mulher identificada como Josiane, que disse ter um lote para vender no local. "Eu moro no Nova Pampulha. Procura o Ambrósio, que ele te mostra não só o meu, mas outros lotes. Ele sabe tudo lá", explicou. Encontrar a casa de Ambrósio, um dos "corretores" do esquema ilegal, não foi difícil. Interessado na venda, ele mostrou três opções para a suposta compradora.
O primeiro e o segundo lotes - sem qualquer tipo de construção - foram orçados em R$ 7.000.
Já no terceiro, onde havia sido construído um cômodo e meio (já que as paredes estavam pela metade), seria vendido por R$ 8.000. "O mais caro é de um parente meu. Ele voltou para o interior e precisa de dinheiro vivo para se arranjar por lá", justificou Ambrósio.
Cobranças O falso corretor ainda explicou que todas as casas do Dandara contam com água canalizada (conseguida mediante pagamento mensal de taxa de R$ 15) e luz (com taxa única de R$ 40 paga aos responsáveis pelo furto de energia).
A regularização da posse de imóveis no Dandara também não esbarra na burocracia exigida aos compradores regulares de imóveis. "Traz o dinheiro, a carteira de identidade e CPF. Te dou um recibo e coloco o seu nome no cadastro no lugar do nome desse meu parente. Ninguém mais te tira daqui", disse.
DEVASTAÇÃO
Regional Pampulha acusa os invasores do crime ambiental
O secretário da Regional Pampulha, Osmando Pereira, é taxativo. A ocupação do terreno na Pampulha pelos sem-teto do assentamento Dandara causou um crime ambiental irreparável em Belo Horizonte.
De acordo com Pereira, para abrir espaço para as ruas, loteamentos e erguer suas moradias, as 887 famílias abrigadas no local cortaram árvores e destruíram todas as nascentes que existiam no local.
"É uma perda irreparável. Denunciamos aos órgãos ambientais. O caso está sendo discutido na Justiça. Mas é preciso que a decisão seja mais rápida. Senão, a tendência é essa degradação piorar ainda mais", explicou Pereira.
De acordo com Márcia Frois, advogada da Construtora Modelo, o terreno só não foi ocupado pela empresa há dez anos, época em que foi adquirido, por causa da morosidade do processo necessário para a expedição do alvará que permitiria a construção do conjunto habitacional no bairro planejado pelos empreendedores.
"Para construir esse conjunto, teríamos que preservar as nascentes e preservar também pelo menos 40% das árvores nativas. Chegamos a denunciar o caso aos órgãos ambientais. Mas, agora, teremos que fazer um estudo para definir como recuperar a área", afirmou Márcia. (MSi)
Vizinhos ameaçados por moradores da ocupação
Quem mora nas ruas vizinhas ao assentamento Dandara, no bairro Trevo, Pampulha, sofre com a falta de iluminação pública, lixo e invasão de pragas como ratos e baratas. Além disso, a comunidade enfrenta o aumento da sensação de insegurança. "Os postes não funcionam na minha rua. Se eu ligar dois aparelhos ao mesmo tempo, a luz cai. E, quando eu reclamo, sou ameaçada. Já me contaram que tem uma mulher lá do Dandara querendo me pegar na rua", contou uma moradora.
Ela não quis revelar sua identidade com medo de represálias dos invasores. Outro morador disse já ter tido a casa invadida duas vezes. "Roubaram até o botijão de gás. Investi R$ 50 mil na casa própria e, agora, vivo um pesadelo." (Msi)
FOTO: DANIEL IGLESIAS - 11.5.2010
Protesto. Em maio de 2010, ocupantes dos assentamentos Dandara, Camilo Torres e Irmã Dorothy se manifestaram contra ação de despejo
ULTIMATO
Líderes rejeitam desocupação
Representante diz que famílias vão resistir, pois investiram todo seu dinheiro no local
As 887 famílias que ocupam atualmente o assentamento Dandara podem ser removidas do local a qualquer momento. De acordo com a Construtora Modelo, proprietária do terreno, não há mais possibilidade de recurso contra o pedido de reintegração de posse encaminhado à Justiça, e a previsão era que a retirada fosse autorizada logo após o feriado de Carnaval.
O processo de reintegração, no entanto, não deverá ser tão simples. Lideranças dos sem-teto acreditam que a comunidade vai resistir bravamente à remoção e temem que a reação gere tumultos. O principal motivo para a revolta, segundo o frei Gilvander Luiz Moreira, representante da Pastoral da Terra, é o fato de que muitas famílias contraíram empréstimos e investiram todo o seu dinheiro na construção das casas.
"Essas pessoas não vão sair de suas residências sem lutar. Elas vão resistir, com a fé em Deus e o poder da Bíblia. E, se saírem, vão acampar e protestar na praça Sete, na Linha Verde, entre outras. Vão atrapalhar o trânsito e provocar transtornos. Esse é um problema social, que só se resolve com política pública", afirma Moreira.
Militante das brigadas populares, o advogado Joviano Gabriel Maia Mayer também não acredita que os moradores do Dandara serão expulsos rapidamente. "Construímos um centro cultural no assentamento e estamos erguendo uma igreja ecumênica. A ocupação é fruto do déficit habitacional para as famílias de baixa renda. Esse problema não será solucionado assim", avalia Mayer.
Embate judicial. A Construtora Modelo encaminhou o pedido de reintegração de posse do terreno à Justiça no dia 14 de julho de 2010. A ação foi encaminhada ao desembargador Geraldo Araújo.
"Não há mais recursos que possam ser apresentados para contestar a remoção. Vamos esperar o término do período de Carnaval e reiterar o pedido para que o desembargador oficie o juiz de 1ª instância", disse a advogada da empresa, Márcia Frois, na semana passada.
Caso a decisão seja confirmada, um oficial de Justiça será notificado para, juntamente com a Polícia Militar, providenciar a retirada dos invasores, conforme a advogada. Ela culpa a Prefeitura de Belo Horizonte pelo atraso no início da utilização do terreno, o que contribuiu para a ocupação.
"A morosidade da prefeitura fez com que o processo para a expedição do alvará se desenrolasse por anos. Cedemos uma parte do terreno para a construção de uma escola estadual e fizemos todas as adequações solicitadas. Mas, até 2009, a autorização ainda não havia sido expedida.
Agora, estamos em um estado avançado, prontos para começar a construir", afirmou a representante da empresa.
Invasores passarão por novo cadastro
Desde ontem, os moradores do assentamento Dandara estão sendo submetidos a um recadastramento, para que sejam evitados casos de venda de terrenos e reorganizada a lista de espera por vagas. A informação é do advogado Joviano Gabriel Maia Mayer, representante das brigadas populares.
"Quem não estiver desde o começo será expulso. Todos sabem da proibição. Fizemos reuniões, colocamos faixas, explicamos. Eles não podem vender, trocar ou fazer qualquer negociação dos terrenos", disse o advogado.
Segundo Mayer, as famílias em lista de espera são convocadas sempre que moradores deixam o acampamento. "A gente não cadastra quem chega indicado por alguém que tenha negociado seu lote. Essas pessoas são expulsas".
O frei Gilvander, da Pastoral da Terra, acredita que os casos de venda ilegal são minoria. "Em todo lugar, há pessoas honestas e desonestas. É hipocrisia esperar que todos os integrantes das 887 famílias sejam honestos. Mas não podemos generalizar", declarou. (MSi)
Famílias de outras ocupações também estão ameaçadas
As 277 famílias que vivem nas comunidades Camilo Torres e Irmã Dorothy, ambas na região do Barreiro, na capital, também convivem com as ameaças de remoção. De acordo com o advogado do Serviço de Assistência Judiciária da PUC Minas, Fábio Santos, que defende os assentados, a Justiça já autorizou a reintegração de posse do terreno para a Prefeitura de Belo Horizonte e uma empresa privada.
Os assentamentos foram criados em 2008. A ocupação teria acontecido, de acordo com o advogado, porque o terreno da Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemig) não estava cumprindo sua função social, o que é inconstitucional.
O diretor geral da Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte (Urbel), Cláudio Vinícius Leite, avalia que a ocupação de terrenos é um desrespeito à política habitacional da cidade. Apesar da decisão, a Defensoria Pública Geral de Minas Gerais informou que está impetrando novas ações jurídicas para garantir a posse da terra aos assentados. (MSi)